Brasil apresenta na COP30 plano inédito para adaptar saúde a eventos climáticos extremos

Publicado em 26/10/2025 às 19:01:25
Brasil apresenta na COP30 plano inédito para adaptar saúde a eventos climáticos extremos

Em um movimento pioneiro para a Organização das Nações Unidas (ONU), o Brasil apresentará na COP30, que ocorrerá em Belém, um plano revolucionário para a adaptação do setor de saúde aos impactos das mudanças climáticas. A proposta inclui a reorganização da rotina de unidades de saúde e hospitais para lidar com períodos de calor extremo, um desafio crescente.

Estudos já apontam para a necessidade de novos horários de atendimento, escalas de descanso adaptadas e protocolos clínicos que considerem o ajuste de doses de medicamentos em função do aumento das temperaturas. "Se as ondas de calor se tornarem mais constantes, os serviços terão de mudar. Não dá para manter o mesmo horário de atendimento se sair à rua entre meio-dia e quatro da tarde se tornar arriscado para a população", explica a epidemiologista Ethel Maciel, enviada especial do Brasil para a conferência e ex-secretária de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que a crise climática será responsável por cerca de 250 mil mortes anuais entre 2030 e 2050, decorrentes de desnutrição, malária, diarreia e estresse térmico. Paralelamente, os serviços de saúde podem enfrentar custos anuais de US$ 2 bilhões a US$ 4 bilhões para responder a esses desafios.

Batizado de Plano de Ação para a Saúde de Belém, o projeto foi desenvolvido em colaboração com a OMS com o objetivo de engajar a comunidade global na construção de sistemas de saúde mais resilientes ao clima e ambientalmente sustentáveis. A iniciativa se baseia em três pilares: fortalecimento da vigilância e monitoramento, preparação de serviços e profissionais, e fomento à inovação sustentável na cadeia produtiva da saúde.

O primeiro eixo foca na criação de uma vigilância climática e sanitária integrada, capaz de correlacionar dados de saúde e meio ambiente. A meta é permitir que estados e municípios identifiquem riscos iminentes, como ondas de calor, poluição do ar e proliferação de doenças transmitidas por vetores, com antecedência.

"Até o ano passado, o Brasil não tinha um painel que relacionasse poluição do ar e indicadores de saúde. Agora temos, e isso muda tudo, porque informação é o ponto de partida para criar políticas públicas eficazes", ressalta Ethel Maciel, também professora titular da Universidade Federal do Espírito Santo. A integração desses dados é considerada estratégica após episódios recentes como as enchentes no Rio Grande do Sul e as queimadas no Pantanal. Com base em alertas precoces, espera-se a criação de protocolos de resposta rápida, como a suspensão temporária de atividades ao ar livre em casos de altos níveis de material particulado, prática já adotada em cidades europeias.

O segundo eixo do plano se dedica à preparação dos serviços de saúde para enfrentar condições ambientais extremas, por meio de políticas embasadas em evidências. Além de garantir infraestrutura adequada, será crucial capacitar equipes para lidar com emergências relacionadas ao calor, queimadas e inundações. Ethel Maciel aponta que a formação de profissionais para esses desafios ainda é incipiente no Brasil, com o tema das mudanças climáticas pouco abordado em currículos de medicina e enfermagem, e apenas em 2024 o Ministério da Saúde publicou seu primeiro protocolo sobre clima e saúde.

A crescente incidência de doenças como o vírus Oropouche, que se espalhou da região amazônica para todo o Brasil, e a dengue, que agora afeta países como Uruguai e Itália, exemplificam a mudança no perfil epidemiológico. Um exemplo de iniciativa municipal é o protocolo de resposta ao calor desenvolvido no Rio de Janeiro após um incidente durante um show em 2023, que serviu como alerta e referência nacional. Este sistema integra dados climáticos e de saúde para prever o aumento de atendimentos em unidades de saúde e níveis de poluição do ar.

O terceiro eixo propõe uma reformulação da cadeia produtiva do setor de saúde, um dos mais poluentes do mundo. A meta é reduzir o consumo de plástico, a geração de resíduos e o uso intensivo de energia, incentivando o uso de energias renováveis. "A saúde usa muito plástico, gera resíduos e consome energia intensamente. Precisamos rever processos industriais e incentivar o uso de energias renováveis", afirma Ethel. O Brasil tem potencial para liderar essa transição, com o fortalecimento do complexo econômico-industrial da saúde, promovendo novas plantas industriais com menor pegada de carbono.

Medidas estudadas incluem o desenvolvimento de medicamentos e imunobiológicos mais estáveis a variações de temperatura e a revisão de embalagens plásticas e materiais descartáveis. O Adapta-SUS, versão nacional do plano, visa incorporar ações de adaptação no orçamento de estados e municípios, onde atualmente essa rubrica não existe. O envolvimento do setor privado também é considerado essencial, buscando planejar o sistema como uma rede única, pública e privada, com protocolos de crise, rotas de evacuação e estoques de medicamentos.

A própria COP30 em Belém servirá como um teste prático para as ações de preparação. O Ministério da Saúde instalou um centro de emergências sanitárias e tem realizado simulações de resposta a surtos e emergências, utilizando eventos como o Círio de Nazaré. "Um evento dessa dimensão é sempre um risco sanitário. Assim como ideias circulam, vírus e bactérias também viajam com as pessoas. Por isso estamos treinando equipes e testando fluxos desde o ano passado", explica Ethel.

O Ministério Público Federal já alertou para a possibilidade de colapso na rede de saúde de Belém durante a COP30, diante da previsão de 50 mil visitantes. Profissionais de diversos estados foram convocados para reforçar o atendimento. O grande desafio pós-COP30 será a implementação efetiva do plano. "Precisamos que isso chegue às cidades, às escolas de saúde, à vida real. O clima mudou, e a saúde precisa mudar junto. O que está em jogo é a nossa capacidade de continuar cuidando das pessoas num planeta cada vez mais quente."