Mercadinho em Salvador é condenado por racismo recreativo e terá que pagar R$ 20 mil

Um ex-funcionário de um mercadinho em Salvador obteve na Justiça do Trabalho o direito a uma indenização de R$ 20 mil por danos morais. A decisão reconhece que o trabalhador foi dispensado de suas funções logo após questionar a ocorrência de práticas racistas no ambiente laboral. Entre os episódios citados, estavam piadas depreciativas sobre jogadores negros durante a Copa do Mundo e comparações de pessoas negras a "King Kong".
O desligamento do empregado ocorreu sem justa causa, mas em seguida à sua manifestação contra os abusos presenciados e sofridos. A sentença, proferida em primeira instância pelo juiz substituto Danilo Gonçalves Gaspar, da 6ª Vara do Tribunal Regional do Trabalho da Bahia (TRT-BA), identificou no caso a prática de racismo recreativo por parte do proprietário do estabelecimento. A decisão judicial ainda está sujeita a recurso.
Diante da recorrência das ofensas, o empregado optou por gravar uma conversa telefônica com o dono do mercadinho, buscando um diálogo direto sobre o racismo no trabalho. O áudio, com aproximadamente 15 minutos de duração, foi validado como prova lícita pelo magistrado, fundamentado em entendimento do Supremo Tribunal Federal (Tema 237), que dispensa autorização judicial para gravações feitas por um dos interlocutores.
Durante seu período no local, o trabalhador, que é um homem negro, testemunhou diversos colegas sendo alvos frequentes de comentários discriminatórios. As ofensas incluíam as comparações mencionadas e piadas durante os jogos da Copa de 2022 envolvendo seleções africanas. Segundo o ex-funcionário, ele também foi alvo desses comentários, que se tornaram rotina na empresa.
Na gravação utilizada como prova, o trabalhador relata de forma clara o impacto emocional das falas e tenta sensibilizar o empregador sobre a seriedade da situação. O proprietário, contudo, tentou justificar os comentários, minimizou as manifestações racistas e, adicionalmente, proferiu uma declaração considerada etarista ao afirmar que "velho é problema".
Em sua fundamentação, o juiz Danilo Gonçalves Gaspar concluiu pela existência de racismo recreativo – manifestações discriminatórias disfarçadas de humor – e pela inadequação do ambiente de trabalho em termos de acolhimento. Ele citou o jurista Adilson Moreira, autor da obra "Racismo Recreativo", para explicar como esse comportamento reforça estereótipos negativos e limita socialmente pessoas negras.
O magistrado também entendeu que a dispensa do empregado configurou uma retaliação à sua postura de enfrentamento. Embora formalmente sem justa causa, o desligamento sucedeu imediatamente o ato de confrontar os abusos.
"A parte ré perdeu a oportunidade de, a partir da iniciativa da parte autora de questionar as práticas racistas, promover uma mudança cultural no âmbito da empresa, optando por encarar a parte autora como 'sensível demais'. Não cabe a nenhum cidadão minimizar a dor do outro, afinal 'Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é' (Caetano Veloso em Dom de iludir). A obrigação é acolher, mediante escuta ativa, buscando viabilizar um ambiente de trabalho saudável", pontuou o juiz na sentença. Ele ainda ressaltou a importância do Protocolo para Julgamento com Perspectiva Racial do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) na formação de magistrados no Brasil.