Senadores e deputados controlam verbas que superam o orçamento de quase metade dos municípios brasileiros

Publicado em 17/08/2025 às 10:47:49
Senadores e deputados controlam verbas que superam o orçamento de quase metade dos municípios brasileiros

Um único senador possui, através de emendas parlamentares, um poder de direcionamento de verbas superior ao orçamento de 44% dos municípios brasileiros. Cada deputado federal, por sua vez, detém recursos que ultrapassam o orçamento de 14% das cidades. Estes dados, revelados por um levantamento da Folha com base nos orçamentos projetados para 2025, evidenciam o significativo poder e influência concentrados pelos congressistas no âmbito local, especialmente após o expressivo aumento no volume das emendas parlamentares na última década.

Atualmente, cada um dos 81 senadores tem à disposição R$ 68,5 milhões para indicar a destinação de gastos federais – um montante maior que o orçamento de 2.291 municípios. Da mesma forma, cada um dos 513 deputados conta com pelo menos R$ 37,1 milhões, valor que supera o orçamento de 712 cidades. A execução dessas verbas pelo Poder Executivo é compulsória, com uma exigência de que no mínimo metade seja alocada para a área da saúde.

No caso dos deputados, o montante individual pode ser ainda maior. Em julho, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, decidiu distribuir R$ 11 milhões adicionais por parlamentar em emendas de comissão. Com essa soma, cada deputado pode dispor de R$ 48,1 milhões ainda este ano, ultrapassando o orçamento de 27% dos municípios. No entanto, a liberação dessa modalidade específica de emenda é opcional para o governo.

A análise não contabiliza as emendas de bancada, que continuam sendo divididas individualmente entre os congressistas, em desacordo com uma determinação do Supremo Tribunal Federal (STF).

As emendas parlamentares permitem que os legisladores direcionem recursos para investimentos e custeios em suas bases eleitorais, o que pode impactar a obtenção de votos. Um exemplo disso é que 98% dos prefeitos que receberam um volume elevado de verbas foram reeleitos em 2024.

Élia Graziane, professora de administração da FGV e procuradora do Ministério Público de Contas de São Paulo, descreve essa situação como a criação de um "feudo fiscal" para cada parlamentar, com os legisladores assumindo funções executivas em todos os níveis de governo. "Congressistas se tornaram ordenadores de despesas mais poderosos do que muitos ministros, governadores e prefeitos. Eles gozam do melhor dos mundos: têm os bônus de poderem liberar despesas em meio a tantas restrições fiscais sem serem obrigados aos ônus de prestar contas ou licitar", afirma Graziane.

A análise por estado revela que o valor destinado a cada senador supera o orçamento de 80% dos municípios de Tocantins e cerca de 60% das cidades do Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte e Piauí. Deputados, por sua vez, controlam mais recursos do que 22% das cidades de Santa Catarina e 33% do Amapá. Em sua maioria, são municípios de pequeno porte, com menos de 20 mil habitantes, com exceção de Piraí do Sul (PR), Marialva (PR) e Pirenópolis (GO), que possuem entre 20 mil e 50 mil moradores.

A expansão das emendas foi rápida. Até 2022, os valores por parlamentar variavam entre R$ 15 milhões e R$ 17 milhões. Em 2023, o Congresso aumentou o limite das emendas individuais e aboliu a divisão igualitária entre as Casas Legislativas. Como resultado, o montante nas mãos de um senador triplicou no ano seguinte (para R$ 59 milhões), e o dos deputados dobrou (para R$ 32 milhões), alcançando os níveis atuais. Essa mudança inverteu a lógica política: antes, os parlamentares buscavam o Executivo para liberar recursos; agora, ministérios procuram o Congresso oferecendo "cardápios" de programas para serem beneficiados por emendas.

A elevação dos valores não veio acompanhada de maiores critérios para a sua distribuição. Em 2023, apenas 16 congressistas (3%) adotaram regras públicas como editais ou consultas populares para a alocação de suas emendas, o que ainda é considerado uma exceção por assessores parlamentares.

Beatriz Any, pesquisadora especializada no fortalecimento do Legislativo, defende a regulamentação do volume e do poder das emendas individuais. Ela propõe o fim das emendas coletivas, a limitação dos valores e a revisão da obrigatoriedade de pagamento, temas que estão sob análise do STF. A pesquisadora lamenta que o controle dessas verbas tenha recaído sobre o Judiciário, lembrando que o próprio Congresso já enfrentou escândalos de desvio de emendas, como o caso dos "anões do Orçamento" em 1993.

O relator do Orçamento de 2025, senador Angelo Coronel (PSD-BA), e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), não comentaram o assunto quando procurados pela reportagem.

A análise da Folha abrangeu os orçamentos de 5.245 municípios (94% do total), com dados enviados ao Tesouro Nacional nos primeiros dois meses de 2025, através dos "relatórios resumidos de execução orçamentária". O orçamento representa o teto de gastos autorizado para cada cidade, o que significa que gastos inferiores a este valor poderiam, na prática, ampliar ainda mais o impacto proporcional das emendas parlamentares.