Tarifas de Trump Devastam Exportações Brasileiras: Oito Estados com 95% de Vendas Afetadas aos EUA

Publicado em 10/08/2025 às 12:42:01
Tarifas de Trump Devastam Exportações Brasileiras: Oito Estados com 95% de Vendas Afetadas aos EUA

As tarifas impostas pelo ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, sobre produtos importados do Brasil estão gerando um impacto severo em, pelo menos, metade das vendas brasileiras destinadas aos EUA, afetando 22 estados do país. A situação é ainda mais crítica em oito estados, onde o impacto das novas tarifas ultrapassa 95% das suas exportações, conforme uma estimativa realizada pela Folha com base em dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic) para o comércio de 2024.

Desde a última quarta-feira (6), um decreto da Casa Branca adicionou uma tarifa de 40% sobre produtos brasileiros, elevando a sobretaxa total para 50%. Apesar de uma lista com 694 isenções, estados como Tocantins, Alagoas, Acre, Amapá, Ceará, Rondônia, Paraíba e Paraná agora veem entre 95% e 100% de suas vendas aos Estados Unidos penalizadas.

Os percentuais de impacto ficam abaixo de 50% em Mato Grosso do Sul (49,6%), Pará (44%), Rio de Janeiro (32%), Sergipe (24%) e Maranhão (9%).

Em termos absolutos, as tarifas de Trump têm um peso maior no Sudeste, por ser a maior região exportadora. No entanto, ao considerar fatores como a dependência de determinados segmentos exportadores em relação aos EUA, as especificidades das cadeias produtivas afetadas e a lista de isenções, regiões como o Nordeste e o Sul tendem a sentir efeitos mais agudos.

Um estudo recente do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas) aponta que as regiões Sudeste e Centro-Oeste conseguem amortecer significativamente os efeitos das novas tarifas, em parte devido aos benefícios obtidos com a lista de isenções.

Em 2024, São Paulo registrou vendas de US$ 13 bilhões aos Estados Unidos. Deste montante, cerca de 56%, o equivalente a US$ 7,5 bilhões, estão agora sujeitos a sobretaxas. O governo Trump isentou produtos de alto valor agregado e com alta comercialização pelo estado, como aviões, petróleo e suco de laranja, o que ameniza o prejuízo geral.

Os EUA representam o principal parceiro comercial de São Paulo, respondendo por 19% das suas vendas, superando a China (12%) e a Argentina (9%).

Entre os estados do Sudeste, Minas Gerais apresenta a maior parcela de seu comércio sob sobretaxa, com 63%. No ano passado, o estado comercializou US$ 4,6 bilhões com os americanos, e agora US$ 2,9 bilhões deste total estão sujeitos à tarifa de 50%. O café, principal produto de exportação mineiro para os EUA, com US$ 1,5 bilhão, é o principal item afetado, sendo o Brasil o principal fornecedor deste produto para os Estados Unidos.

Por outro lado, vários estados do Nordeste e Norte veem praticamente a totalidade de suas exportações aos EUA prejudicada pelas tarifas, sem qualquer alívio com a lista de isenções. Tocantins, por exemplo, exportou US$ 74 milhões para os americanos no último ano, e todos os produtos enviados – como carne bovina, peptona, sebo animal, ossos e gelatina – estão em classes sobretaxadas, especialmente os de maior peso na pauta.

Embora Tocantins não tenha uma dependência tão grande dos Estados Unidos em sua pauta exportadora geral, onde a China é o principal parceiro com 47% das vendas, o impacto em setores específicos e microrregiões é considerável.

O Ceará enfrenta um cenário mais delicado devido à maior dependência geral das compras americanas. A sobretaxa de Trump incide sobre 98,6% dos segmentos de produtos cearenses comercializados com os EUA, e quase metade (45%) de tudo que o estado exporta tem como destino os Estados Unidos. Ferro e aço, frutas, peixes, calçados e mel estão entre os produtos mais afetados.

O economista Flávio Barreto, que coordenou um estudo do FGV Ibre sobre o impacto das tarifas nas regiões, ressalta que, mesmo que a participação americana nas exportações gerais de alguns estados seja pequena, as regiões Norte e Nordeste têm uma pauta exportadora concentrada em bens de baixo valor agregado e de alta intensidade de trabalho. Além disso, essas regiões não foram contempladas com isenções, ao contrário do Sudeste.

"No Nordeste, grande parte dos produtos – frutas, pescados, calçados, vestuário – será taxada. No geral, são itens de baixo valor agregado, com mão de obra pouco qualificada, grande parte é perecível. Imagine, por exemplo, os produtores de mel no Piauí, onde grande parte da produção é feita por cooperativas e pequenos produtores", avalia. Estados como Bahia, Ceará, Pernambuco e Rio Grande do Norte, com polos agroindustriais voltados à exportação, são particularmente sensíveis ao forte impacto econômico.

Um cenário semelhante é observado no Sul, onde, em média regional, 88% das exportações sofrem a tarifa integral. O Paraná lidera a taxação sobre o valor exportado, com cerca de 96% do que é vendido aos EUA, correspondendo a US$ 1,5 bilhão. As tarifas de Trump afetam principalmente os segmentos de madeira e móveis – que representam a maior parte das exportações brasileiras da região – e de calçados e têxteis.

Para Marcos Lélis, professor de economia da Unisinos, o impacto das tarifas sobre as exportações e, consequentemente, sobre o PIB dos estados, pode parecer numericamente baixo. Contudo, a atenção deve se voltar para os setores econômicos e microrregiões com alta exposição aos Estados Unidos, que correm o risco de serem estranguladas.

Ele estima que, no Rio Grande do Sul, o maior exportador absoluto do Sul, a sobretaxa sobre 85% do que é vendido aos americanos represente cerca de 7% das exportações estaduais, com um impacto potencial de 0,9% a 1,1% do PIB gaúcho em 12 meses.

"Quando olhamos a nível global, parece baixo, mas o impacto setorial e regional é altíssimo. Fumo, armas e calçados representam quase 35% do que foi sobretaxado, e tanto armas e munições como o setor de calçados estão na mesma região, em São Leopoldo, e quase tudo é exportado aos Estados Unidos", observa.

Um exemplo notório é a fábrica da Taurus, em São Leopoldo, que destina quase toda a sua produção de armas aos Estados Unidos, respondendo por 80% do faturamento da empresa.

"Se não houver uma solução, uma negociação, a curva vai ficando mais longa e afetando a cadeia de pequenos fornecedores do entorno dos setores afetados. A melhor forma de o governo ajudar, na minha opinião, não é setorial, mas concentrada, olhando empresa por empresa", defende Lélis, argumentando que há isenções para diversos produtos dentro de um mesmo setor exportador.

No Centro-Oeste, a sobretaxa tem menor incidência na pauta exportadora dos estados e afeta setores que não dependem exclusivamente dos Estados Unidos. Em Mato Grosso do Sul, por exemplo, as tarifas atingem cerca de US$ 332 milhões em exportações (aproximadamente 50%), sendo 87% desse valor ligados a carnes e couro. A China, no entanto, é responsável por 32,7% das vendas do estado.

A análise da Folha utilizou a classificação do Sistema Harmonizado de seis dígitos, um código universal para a categorização de produtos no comércio internacional, criado pela Organização Mundial das Alfândegas. Este código abrange segmentos econômicos específicos, mas não cada item individualmente.

Portanto, o levantamento configura uma estimativa, uma vez que dentro de uma mesma categoria podem existir produtos com isenção e outros sujeitos à taxação. De acordo com o Mdic, não há uma tabela de conversão que compatibilize as especificações de comércio norte-americano (HTSUS) com as brasileiras (NCM).