Abates de Jumentos no interior Bahia são verdadeiros campos de concentração, alertam pesquisadores

O interior da Bahia enfrenta uma crise sem precedentes com o abate massivo de jumentos, impulsionado pela alta demanda de exportação para mercados asiáticos, onde couro e derivados são utilizados em medicamentos tradicionais e cosméticos. Pesquisadores descrevem as condições de criação e abate como análogas a "campos de concentração".
Dados do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) indicam que entre 2018 e 2024, aproximadamente 248 mil jumentos foram abatidos no Brasil, resultando em uma redução drástica de 94% da população da espécie no país. A Bahia lidera tanto em número de abates quanto em risco à preservação.
Pierre Escobro, pesquisador especializado em impactos socioambientais no Nordeste, classifica o cenário como crítico, alertando para a possibilidade de extinção do jumento no Brasil antes de 2030 caso medidas não sejam tomadas. O agravamento da situação na Bahia, segundo ele, começou em 2018, com o abate em larga escala, levando universidades como a Ufba, UFRB e USP a investigar os impactos da atividade.
Escobro relata a descoberta de condições deploráveis em municípios como Canudos, onde uma grande quantidade de jumentos foi encontrada morta devido a doenças infectocontagiosas e zoonoses como o mormo, evidenciando o impacto do extrativismo e da demanda internacional por peles.
A Bahia concentra os piores indicadores por ser tanto centro de abate quanto de transporte irregular de animais de outros estados, atuando como epicentro de uma rede clandestina. "Pseudo-fazendas" funcionam como pontos de acumulação antes do transporte, muitas vezes realizado clandestinamente.
Especialistas apontam a ausência de uma cadeia produtiva formal e estruturada para o abate de jumentos na Bahia, o que agrava a situação. Yuri Lima, jurista e professor, explica que a falta de estrutura resulta na captura de animais abandonados, compra de pequenos tutores e casos de furto, com transporte em longas distâncias sem os devidos cuidados.
Os centros de confinamento, descritos como "campos de concentração", submetem os animais à escassez de alimento e água. Casos documentados em Itapetinga, Canudos, Paulo Afonso e Itatim evidenciam essas condições. A propagação de doenças como o mormo, de difícil diagnóstico e transmissível a humanos, é uma preocupação adicional.
Um dossiê enviado ao Ministério Público da Bahia (MP-BA) contém imagens que retratam a precariedade desses locais. A legislação brasileira permite o abate de jumentos sob condições específicas, como peso mínimo e limite de fêmeas, além da proibição do abate de fêmeas gestantes, normas frequentemente desrespeitadas na Bahia.
Relatos indicam um remanejamento estratégico dos criadores ilegais para dificultar fiscalizações após denúncias em casos anteriores.
Apesar do cenário crítico, a Bahia também abriga iniciativas de preservação, como a valorização da raça Pêga, com criatórios em mais de 70 municípios baianos, que seguem rigorosos estatutos de bem-estar animal. A Universidade Federal da Bahia (Ufba) desenvolve o projeto "A Rota do Jumento", em parceria com pequenos produtores, visando compreender e mitigar os desafios enfrentados por animais de carga.
Yuri Lima ressalta a ausência de fiscalização em todas as esferas e a carência de conhecimento científico específico sobre jumentos, contrastando com a expansão do mercado externo. Ele critica a omissão do governo federal e estadual na regulamentação e combate às práticas cruéis.
A Agência de Defesa Agropecuária da Bahia (Adab) informa que apenas três frigoríficos com licença federal estão autorizados para abate de cavalos, nenhum para jumentos, e que atuará para proteger o bem-estar animal. O Ministério da Agricultura e Pecuária não retornou o contato para comentar as fiscalizações.


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