Crédito consignado: 86 contratos ativos para beneficiários com mais de 120 anos geram desconfiança

Publicado em 24/08/2025 às 23:28:33
Crédito consignado: 86 contratos ativos para beneficiários com mais de 120 anos geram desconfiança

O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) registrou a existência de 86 contratos de crédito consignado ativos para beneficiários com idade superior a 120 anos, conforme revelam dados obtidos pela Folha através da Lei de Acesso à Informação (LAI). Embora o número não seja expressivo em relação ao total de 57,3 milhões de contratos vigentes, a informação levanta sérias questões devido à raridade de pessoas vivas nessa faixa etária.

A reportagem buscou o INSS em 13 de agosto para obter o número de beneficiários com mais de 120 anos, já que não havia dados públicos com essa especificação. O órgão solicitou prazo adicional, alegando a necessidade de extração de dados pela Dataprev, mas não apresentou resposta.

A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) declarou em nota que desconhece casos de consignado para pessoas com 120 anos ou mais e repudia a oferta de produtos bancários que não priorizem a proteção de clientes vulneráveis, como idosos. A entidade considera "pouco imaginável" que uma pessoa com 120 anos tenha contraído um empréstimo, atribuindo o ocorrido a possíveis erros cadastrais, golpes ou fraudes, uma vez que não há registro de pessoas vivas nessa idade no Brasil.

A Febraban também ressaltou que as instituições financeiras adotam critérios mais conservadores na concessão de crédito a idosos, oferecendo prazos de pagamento menores ou optando por não operar com esse público.

A Associação Brasileira de Bancos (ABBC) informou que as políticas de crédito são definidas individualmente por cada instituição e desconhece práticas discriminatórias.

Os empréstimos consignados para aposentados e pensionistas do INSS têm sido objeto de investigação, especialmente em relação a possíveis fraudes em descontos de mensalidades associativas. Apesar de serem produtos distintos, há suspeitas de que ambos tenham sido utilizados para atividades ilícitas.

Um relatório da Controladoria-Geral da União (CGU) no início de 2024 apontou fragilidades na veracidade das informações de consignados, empréstimos em benefícios inelegíveis e taxas de juros acima do teto. A CGU recomendou a alteração das regras da modalidade.

Dados do INSS indicam um crescimento na averbação de contratos de crédito consignado. Em janeiro de 2025, foram registrados 3,1 milhões de contratos, um aumento de 55,5% em relação ao mesmo mês de 2024.

A advogada Joseane Zanardi, coordenadora regional do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), considera a existência dos 86 contratos para pessoas com mais de 120 anos "bastante curiosa", levantando a hipótese de que os beneficiários estejam vivos ou que haja benefícios fraudulentos. Ela sugere uma análise mais aprofundada para investigar possíveis irregularidades.

Os dados da LAI abrangem contratos de junho de 2020 a junho de 2025 e incluem empréstimos, cartões de crédito e benefícios. Os contratos para pessoas com mais de 120 anos estão majoritariamente ligados a benefícios rurais.

Um especialista em Previdência, que preferiu não se identificar, avaliou que os dados podem indicar erros de cadastro ou, mais seriamente, irregularidades em benefícios e consignados.

O INSS informa que há outros 2,5 milhões de contratos ativos para beneficiários entre 80 e 120 anos. Para essa faixa etária, o crédito não é proibido, mas pode ser mais difícil e custoso devido ao risco de inadimplência.

A legislação prevê a quitação automática do saldo devedor em caso de morte do tomador do consignado, um fator de risco para as instituições financeiras.

Zanardi também mencionou a ocorrência comum de familiares contraírem consignados em nome de parentes beneficiários, especialmente à medida que envelhecem, citando "abusos nesse sentido".

Adicionalmente, os dados da LAI revelaram 890 contratos de crédito consignado para beneficiários do Benefício de Prestação Continuada (BPC) com menos de 60 anos, contrariando a lei que estabelece idade mínima de 65 anos para o BPC idoso. O INSS não forneceu esclarecimentos sobre a concessão desses benefícios ou a idade dos beneficiários.

A coordenadora do IBDP considerou o dado do BPC com idade inferior a 60 anos igualmente preocupante, pois o BPC idoso só é concedido a partir dos 65 anos, de acordo com a legislação vigente.