Indígenas e crise climática: autores criticam modelo ocidental e ceticismo com COP30

Publicado em 16/08/2025 às 23:45:54
Indígenas e crise climática: autores criticam modelo ocidental e ceticismo com COP30

A profunda conexão entre os povos indígenas e a natureza foi o cerne de um debate enriquecedor entre os renomados escritores Daniel Munduruku e Márcia Wayna Kambeba. O encontro, sediado no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) no Rio de Janeiro, antecedeu a participação dos autores no Clube de Leitura, onde aprofundaram a discussão sobre suas obras "Das Coisas que Aprendi: Ensaios sobre o Bem-Viver" (2014) e "Saberes da Floresta" (2020).

Mais do que compilações literárias, os livros de Munduruku e Kambeba oferecem reflexões filosóficas e experiências de vida intrinsecamente ligadas aos ecossistemas. Ambos os autores defendem uma cosmovisão fundamentada na coletividade e na espiritualidade com a floresta, contrastando radicalmente com os valores individualistas e consumistas do modelo ocidental capitalista.

Daniel Munduruku explicou que a atual crise climática é resultado de uma desconexão humana com a natureza e com o senso de coletividade. "Partimos de duas perspectivas completamente opostas. Não tem como o mundo capitalista ocidental se converter em uma coletividade. São muitos séculos construindo uma sociedade do indivíduo. E nós valorizamos o coletivo, que não fala apenas dos humanos. Nenhum ser da natureza vive sozinho", pontuou o escritor.

Segundo o autor, a concepção ocidental de tempo linear, focada em um futuro idealizado e distante, alimenta uma lógica de acumulação e ilusão. "Correm o tempo todo atrás da riqueza. E, para o indígena, a riqueza está aqui. E a gente só pode viver esse aqui agora", complementou.

Na iminência da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30), que ocorrerá em Belém (PA) em novembro, os escritores expressaram ceticismo quanto aos avanços concretos na preservação ambiental. Márcia Kambeba ressaltou que a efetividade do evento dependerá de ações e acordos mais contundentes. "A COP depende da questão ambiental, da preservação e conservação da natureza. Da retomada de consciência em relação ao lixo e aos impactos ambientais que produzimos. As pessoas não querem falar sobre isso. Não há consciência real de que o modo de consumo gera tantos impactos", observou.

Munduruku reforçou a crítica, alertando que, sem uma transformação sistêmica profunda, a COP corre o risco de priorizar interesses econômicos em detrimento das questões ambientais. "A COP30 não é uma reunião para salvar a natureza. Ela é uma reunião para salvar a economia do mundo. Ou seja, é uma contradição absolutamente impossível de se resolver, porque o sistema hegemônico econômico não vai parar", afirmou.

Para ele, a participação de lideranças indígenas, como Davi Kopenawa, terá um impacto mais simbólico do que prático. "Não adianta chamar o Davi Kopenawa para fazer um discurso. Porque a fala dele não impacta em nada na questão dos bancos e do dinheiro. O que o indígena defende é a manutenção da vida no planeta. E o que os banqueiros defendem é a manutenção da riqueza deles."

A conversa dos autores destacou o papel fundamental da literatura como ferramenta de resistência, denúncia e proposição de novas abordagens para combater a crise climática. Ambos concordam que a construção de um futuro sustentável para a Terra passa, invariavelmente, pela escuta dos saberes ancestrais dos povos originários.