Justiça Federal Anula Cotas Trans na FURG e Determina Cancelamento de Matrículas

A Justiça Federal no Rio Grande do Sul tomou uma decisão significativa ao determinar a anulação do ato administrativo que estabeleceu cotas para pessoas transexuais na Universidade Federal do Rio Grande (FURG) em 2023. Consequentemente, os alunos que ingressaram na instituição por meio dessa política terão suas matrículas canceladas ao final do presente ano letivo. Cabe recurso contra esta decisão.
O juiz substituto Gessiel Pinheiros de Paiva, da 2ª Vara Federal de Rio Grande, baseou sua argumentação na falta de uma fundamentação adequada para a ação afirmativa, que, segundo ele, violaria o princípio da isonomia ao favorecer um grupo específico. "Foi criada uma vantagem não justificada para uma determinada categoria de pessoas, com base em característica pessoal", declarou o magistrado em seu despacho.
O juiz considerou insuficiente a justificativa apresentada pela FURG, que se baseava no alto índice de assassinatos de pessoas trans no Brasil, país que lidera as estatísticas globais nesse quesito, segundo organizações sociais.
Utilizando dados da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), Paiva apontou que foram registrados 781 assassinatos de pessoas trans entre 2017 e 2021, com uma média anual de 156 casos. Ao comparar esse número com o total de homicídios no país, que segundo o Atlas da Violência registrou 616.095 mortes entre 2011 e 2021 (aproximadamente 61 mil por ano), o juiz concluiu que "o número de assassinatos de pessoas trans no Brasil não possui nada de diferente (ao contrário, é ainda várias vezes menor em percentuais) do que a violência geral que assola o país, não havendo como tais dados serem considerados como relevantes para instituição de políticas afirmativas de ingresso em universidade".
Paiva também ressaltou que, embora as universidades federais possuam autonomia para definir suas normas internas, a criação de políticas afirmativas não é irrestrita.
A decisão impacta diretamente os alunos aprovados pelas cotas trans, que tiveram 30 vagas reservadas pela FURG entre 2023 e 2025. A ação judicial que levou a este despacho foi proposta há dois anos pelos advogados Bruno Cozza Saraiva e Djalma Silveira da Silva, que argumentaram que a política de cotas para trans seria uma "política ideológica que, há tempos, vem ocupando as universidades brasileiras" e que não haveria previsão legal para tal programa.
Esta não é a primeira vez que a questão das cotas trans na FURG é judicializada. Em 2023, uma liminar suspendeu um edital que criava vagas exclusivas para transgêneros, mas a decisão foi posteriormente derrubada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
A Universidade Federal do Rio Grande, por sua vez, informou que ainda não foi intimada oficialmente sobre a decisão. A instituição reafirmou seu compromisso com a defesa de sua comunidade acadêmica e com a autonomia universitária, princípio que, segundo a FURG, legitima as deliberações de seus órgãos deliberativos. A reitoria reiterou seu empenho na democratização do acesso ao ensino superior e colocou-se à disposição de sua comunidade.
O Diretório Central dos Estudantes (DCE) da FURG manifestou "total indignação e aversão" a qualquer medida que ataque o processo seletivo voltado à comunidade transgênero. A entidade declarou que a universidade "é pública, gratuita e socialmente referenciada" e que "não irão aceitar nenhum passo para trás".