Lula não escolherá entre China e Estados Unidos, diz Haddad

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, declarou nesta segunda-feira (12) que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não fará uma escolha binária entre Estados Unidos e China em meio à atual disputa comercial global.
Em entrevista ao UOL, Haddad destacou que a presença simultânea de Lula na China e sua própria viagem aos Estados Unidos na mesma semana "deveria significar alguma coisa para um observador isento", indicando que o Brasil está "jogando um jogo" estratégico. Segundo o ministro, o presidente não adota essa forma de política de escolha entre potências, buscando manter e fortalecer relações com diversos países, incluindo o México, que Haddad também visitou. Ele enfatizou a necessidade de o Brasil repensar seu desenvolvimento, evitando a dependência excessiva de uma única relação bilateral.
Sobre a política protecionista dos EUA, Haddad avaliou que, sob o governo de Trump, ela tenta resolver problemas internos americanos, como o déficit comercial histórico e a competição tecnológica com a China. O ministro ressaltou que a China representa um desafio maior para os Estados Unidos do que rivais anteriores, como Japão e União Soviética, dada sua força militar e população de 1,4 bilhão de habitantes.
Haddad relatou ter argumentado com o secretário do Tesouro americano, Scott Bessent, sobre a surpresa negativa das taxas alfandegárias impostas ao Brasil e à região. Questionou como é possível taxar uma região que, na verdade, apresenta déficit em suas relações comerciais com os Estados Unidos. Defendeu o interesse de longo prazo dos EUA no desenvolvimento da América Latina, pois a vulnerabilidade do continente, especialmente de países vizinhos, os torna "presa fácil de interesses comerciais do mundo inteiro". De acordo com Haddad, o representante americano reconheceu os argumentos e concordou que os países devem negociar.
Na viagem aos EUA, Haddad também visitou empresas no Vale do Silício com o objetivo de atrair investimentos para data centers no Brasil. Ele justificou a busca por investimentos, citando que o país importa 60% dos serviços de data center atualmente, o que não faria sentido dada a disponibilidade de energia limpa e barata, além de uma infraestrutura de cabeamento superior à de vizinhos. O ministro frisou que o Brasil tem condições ideais para processar seus próprios dados localmente, inclusive por razões de segurança.
O governo brasileiro, segundo Haddad, discute a possibilidade de compras governamentais de serviços de informação que exijam o processamento local de dados pessoais sensíveis de brasileiros, como os do Sistema Único de Saúde (SUS). A Política Nacional de Data Centers, que abordará essas questões, deve ter sua data de apresentação definida após o retorno do presidente Lula da China, onde também foram anunciados investimentos, incluindo uma fábrica de microchips, um aplicativo de entregas e uma rede de fast food.
Haddad defendeu que mudanças institucionais recentes, como a reforma tributária, são fundamentais para facilitar a vinda de empresas para o país. Ele contrastou a postura atual com o passado, quando o Brasil "olhou muito para dentro", focando em substituição de importações e no mercado interno. "Ninguém se desenvolve assim hoje", afirmou, comparando com a China, que, mesmo com uma vasta população, busca o mercado externo. "Como é que o Brasil, que tem 215 milhões, vai olhar só para o seu mercado interno?", questionou.
O ministro também expressou otimismo em relação à reforma do Imposto de Renda, relatada pelo deputado Arthur Lira (PP-AL), embora a versão final do texto ainda não tenha sido entregue. Haddad mencionou que a proposta do governo Lula difere da apresentada por Guedes, especialmente na estratégia de arrecadação: enquanto o governo Bolsonaro visava diminuir imposto sobre dividendo de empresa e aumentar sobre o investidor pessoa física, a abordagem atual é diferente.
Ao abordar o escândalo de descontos ilegais em benefícios do INSS, Haddad considerou correta a decisão da Controladoria-Geral da União (CGU) de denunciar o caso à Polícia Federal. Ele destacou que a ação é uma iniciativa do Estado brasileiro para reprimir o crime, indo além da esfera de um governo específico. O ministro informou que o presidente Lula tem solicitado "punição exemplar dos responsáveis e o ressarcimento das pessoas lesadas". Haddad concluiu que o escândalo, paradoxalmente, reflete de forma positiva no governo atual pela liberdade concedida para investigar.