Uso excessivo de canetas emagrecedoras reacende discussão sobre nova exigência de receita imposta pela Anvisa

O uso em larga escala de medicamentos injetáveis inicialmente desenvolvidos para diabetes tipo 2, como Ozempic e Mounjaro, tem ganhado popularidade crescente no Brasil nos últimos meses, sendo agora amplamente procurados para tratamentos de perda de peso e obesidade.
A popularização desse uso gerou debates e preocupações em diversas áreas da saúde, exemplificadas pelo caso de Dilsinho da Bahia. O empresário relatou ter consumido mais de nove canetas de Ozempic, alcançando uma perda de peso superior a 20 kg.
"Eu não conseguia fazer muita dieta por causa da fome. A gente que é obeso sente muita fome. E para perder peso não basta somente os tratamentos e as canetas, o que perde peso é você reduzir a sua alimentação. Comecei a utilizar esses medicamentos, pois não conseguia fazer essas dietas", revelou o empresário sobre sua dificuldade inicial em seguir dietas restritivas.
Ele detalhou o processo de redução alimentar e uso dos medicamentos: "Comia cinco pães no café da manhã e comecei a ir diminuindo. Nisso fui perdendo peso e aí eu fui utilizando as canetas, aumentando os cliques de 12 para 15 e fui fazendo exames. Quando vi perdi peso, indo de 160 kg para 140 kg. Tomei nove canetas de Ozempic e agora já estou usando a Mounjaro".
Em resposta a essa demanda crescente e, muitas vezes, ao uso sem supervisão adequada, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) implementou uma medida em abril deste ano determinando que a compra desses produtos só pode ocorrer mediante retenção da receita médica na farmácia. A prescrição deve ser emitida em duas vias, com validade de até 90 dias, seguindo um modelo similar ao adotado para antibióticos.
Para analisar o impacto e a pertinência dessa regulamentação no cenário atual, especialistas de diferentes áreas da saúde foram consultados.
Fábio Teixeira, médico e diretor do Núcleo de Avaliação Funcional do Aparelho Digestivo (Nafad), classificou a decisão da Anvisa como "extremamente acertada". Segundo ele, "Esses medicamentos exigem indicação médica criteriosa, monitoramento contínuo, ajuste individualizado da dose e, principalmente, um compromisso real com a mudança de estilo de vida." Teixeira acredita que a medida "contribui para um uso mais responsável e orientado", assegurando que os pacientes que realmente se beneficiariam do tratamento sejam devidamente avaliados e acompanhados por profissionais qualificados.
O médico também fez ponderações sobre os efeitos dos medicamentos. "O mecanismo de ação dessas medicações é extremamente interessante: elas atuam sobre neurotransmissores relacionados à saciedade e ao metabolismo, favorecendo o controle do apetite e da glicose. Por outro lado, como retardam o esvaziamento gástrico, podem provocar efeitos como sensação de estômago cheio por muito tempo, náuseas, vômitos e constipação. Por isso, a chave está na indicação correta e no acompanhamento especializado", alertou. Ele destacou ainda o aumento significativo na procura por esses produtos na Bahia, tanto por pacientes com acompanhamento quanto por aqueles influenciados por informações não confiáveis, muitas vezes encontradas na internet.
A grande demanda também foi confirmada pelo presidente do Conselho Regional de Farmácia, Mário Martinelli. Ele relatou um "crescimento expressivo da demanda nas farmácias da Bahia", impondo desafios aos profissionais, que frequentemente lidam com pacientes sem indicação médica formal. O aumento na procura por Ozempic e Mounjaro, impulsionado em parte por divulgações informais em redes sociais, chegou a causar períodos de escassez em algumas farmácias. Martinelli observou, em contrapartida, uma redução nas vendas de medicamentos mais tradicionais para controle de peso, como sibutramina e orlistate. Ele enfatizou que essa mudança exige "atenção redobrada dos profissionais e reforça a importância da prescrição consciente e do acompanhamento clínico".
Do ponto de vista nutricional, a especialista em terapia nutricional e nutrição clínica, Cláudia Daltro, manifestou preocupação com casos de perda de peso muito rápida e suas consequências. "Tenho presenciado casos preocupantes. Pacientes que iniciaram o uso sem orientação nutricional adequada apresentaram perda de peso excessivamente rápida como 15 kg em um mês acompanhada de perda de massa muscular, desidratação e sintomas como obstipação severa", relatou. Ela ressaltou a necessidade fundamental de "ajustar o volume das refeições sem comprometer a qualidade nutricional".
Corroborando essa visão, a nutricionista Thayane Fraga reforçou que a eficácia dos medicamentos na perda de peso não substitui a base de uma alimentação saudável. "As canetas não excluem a importância de uma alimentação nutritiva, regular e equilibrada. Pelo contrário, devem servir de suporte para o processo de reeducação alimentar, inclusive porque podem ajudar a diminuir a impulsividade, aumentando as chances da pessoa desenvolver habilidades de fazer escolhas mais conscientes, saindo do piloto automático", concluiu.