Violência contra a mulher teve alta em 2023 em meio a estagnação de homicídios, aponta estudo

Publicado em 13/05/2025 às 01:05:14
Violência contra a mulher teve alta em 2023 em meio a estagnação de homicídios, aponta estudo

A violência contra mulheres registrou forte alta no Brasil em 2023, contrastando com a estagnação dos homicídios de mulheres, mesmo em um cenário de redução geral nos assassinatos no país.

Foram contabilizadas 275.275 notificações de agressão no ano passado, um aumento significativo em relação aos 221.240 registros de 2022. No que se refere aos homicídios, a taxa se manteve em 3,5 mortes por 100 mil habitantes em ambos os anos. Os números absolutos de 2023 indicam 3.903 homicídios registrados, uma elevação de 2,5% na comparação com as 3.806 vítimas de 2022.

Esses dados constam no Atlas da Violência 2025, divulgado nesta segunda-feira (12), fruto de uma parceria entre o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). O relatório revela que grande parte da violência ocorre dentro de casa: seis em cada dez casos — totalizando 177.086 ocorrências — aconteceram no ambiente doméstico. Outras formas de violência registradas incluem a comunitária (59.611), praticada por pessoas sem laços familiares como vizinhos ou desconhecidos; a mista (34.653); e a institucional (3.925), que envolve relações hierárquicas. Todas essas categorias apresentaram crescimento entre 2022 e 2023.

O Atlas da Violência baseia-se em dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde para os homicídios, o que pode gerar diferenças em relação às estatísticas divulgadas por secretarias estaduais de Segurança Pública ou levantamentos baseados em dados criminais. Já as informações sobre agressões utilizam microdados preliminares de 2023 do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), também do Ministério da Saúde.

Em 2023, a violência física foi o tipo mais frequente nas notificações (37,4%), seguida pela violência múltipla (30,3%). Negligência respondeu por 12% dos casos, enquanto a violência psicológica e a sexual representaram 10,1% e 9,5%, respectivamente.

A forma de violência predominante contra mulheres varia conforme a faixa etária. Para meninas de 0 a 9 anos, a negligência é a principal (49,5%). A violência sexual se torna mais comum entre 10 e 14 anos (45,7%). Dos 20 aos 69 anos, a violência física aparece com maior frequência nos registros. Após os 70 anos, a negligência volta a ser predominante (33,3%).

Manoela Miklos, pesquisadora sênior do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, analisa que o assassinato de mulheres é frequentemente o desfecho de um ciclo de agressões. "É preciso compreender exatamente que o homicídio de mulher, o feminicídio, é o topo de uma espiral de violência", afirma. Segundo ela, é crucial que o Estado intervenha precocemente, oferecendo acesso a saúde, justiça, políticas de saúde mental e acolhimento para que a vítima possa entender sua situação, evitando a revitimização. A pesquisadora destaca a importância do suporte econômico para dar autonomia à vítima, permitindo que ela rompa com relacionamentos abusivos.

A estagnação nos homicídios de mulheres é vista por Miklos como preocupante, especialmente no contexto de queda geral nos assassinatos, pois as causas e contextos são distintos daqueles que vitimam homens. "São razões diferentes, contextos diferentes, perpetrados por agressões de perfis distintos, então é preciso que se faça política pública de segurança para mulheres, para que esse tipo de morte também recue", ressalta.

O Atlas aponta que mulheres negras são as principais vítimas de homicídio no país, somando 2.662 mortes, ou 68,2% dos casos. O relatório interpreta esses números como um reflexo do "trágico encontro entre a cultura patriarcal e o racismo estrutural, ambos fortemente enraizados no Brasil".

A análise por unidade da federação revela grandes variações, indicando a necessidade de políticas públicas regionalizadas. Roraima, por exemplo, apresenta a maior taxa, com 10,4 mortes de mulheres por 100 mil habitantes, bem acima da média nacional de 3,5. Manoela Miklos menciona estudos para investigar as causas dessas altas taxas em estados específicos, citando como hipótese para Roraima a influência da atividade do garimpo. "Fizemos com Roraima um estudo de hipóteses que envolve a presença do garimpo, então é um trabalho que precisa ser feito de olhar com lupa para cada uma dessas unidades e entender quais fenômenos específicos fazem essas taxas se manterem altas", explica.