Ações de Trump deixarão "sequelas permanentes" na relação EUA-Brasil, alerta brasileira ex-subsecretária de Defesa

As políticas adotadas pelo ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, contra o Brasil, como a imposição de sanções e tarifas, além de ameaças ao governo brasileiro e ao Supremo Tribunal Federal (STF), terão "sequelas permanentes" na relação bilateral entre os dois países. A avaliação é de Jana Nelson, brasileira-americana que atingiu alta hierarquia no governo americano, atuando como subsecretária de Defesa para o Hemisfério Ocidental.
Nelson, que dedicou 20 anos de sua carreira a fortalecer os laços entre Brasil e Estados Unidos, considera que houve uma "quebra de confiança" com impactos duradouros. "Daqui a 20 anos, vão fazer referência ao que está acontecendo hoje, vão dizer: é por isso que não se pode acreditar no que diz o governo americano", afirmou em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo.
Segundo a ex-subsecretária, as medidas de Trump alimentam um antiamericanismo já latente no Brasil, comparando o cenário atual ao impacto do apoio americano ao golpe militar de 1964. Ela destacou que o uso de leis tarifárias para fins coercitivos e sanções por vingança "não é algo normal" e que a postura de Trump rompe com os pressupostos de livre comércio e globalização que os EUA historicamente defendiam.
Mesmo com uma eventual mudança de governo nos EUA, Nelson acredita que a relação não voltará a ser como antes. "Os outros países não vão acreditar em nós, não vão querer trabalhar conosco", ressaltou, citando a diversificação econômica e de política externa em curso no Brasil e em outras nações como consequência da "suspeita incrustada no sistema de que os EUA não são confiáveis".
Sobre as negociações, a brasileira-americana sugeriu que o Brasil poderia buscar a pressão de empresas privadas americanas e o debate no Congresso dos EUA sobre a limitação do uso da "International Emergency Economic Powers Act of 1977" (Ieepa), lei utilizada como justificativa para as tarifas. Ela acredita que, com o tempo, o aumento da inflação nos EUA poderá levar legisladores republicanos a apoiar restrições à Ieepa.
Nelson também abordou o reflexo da crise nas relações Brasil-EUA no fortalecimento dos laços do Brasil com a China. Ela alertou, porém, sobre os perigos de uma excessiva dependência econômica da China, destacando a necessidade de equilíbrio e cautela.
Jana Nelson, 41 anos, é formada em relações internacionais pela Universidade de Brasília e possui mestrado pela Universidade Georgetown. Além de subsecretária de Defesa, atuou como assessora sênior da missão dos EUA na ONU e integrou a equipe responsável pelo Brasil no Departamento de Estado. Atualmente, chefia para América Latina do Instituto Tony Blair, mas concedeu a entrevista em caráter pessoal.