Adolescentes não recebem apoio emocional para lidar com redes sociais, diz pesquisa

Publicado em 11/05/2025 às 22:23:14
Adolescentes não recebem apoio emocional para lidar com redes sociais, diz pesquisa

Uma pesquisa realizada em abril revelou que cerca de 90% dos brasileiros adultos com acesso à internet acreditam que os adolescentes não recebem apoio emocional e social adequado para lidar com o ambiente digital. O levantamento, que ouviu cerca de mil brasileiros de todas as regiões e classes sociais, tem margem de erro de 3 pontos percentuais.

De acordo com o estudo, nove em cada dez brasileiros compartilham essa preocupação com a falta de suporte para os jovens. Setenta por cento dos entrevistados defendem a presença de psicólogos nas escolas como um caminho essencial para mudar esse cenário.

Conduzida pelo Porto Digital em parceria com a Offerwise, a pesquisa foi motivada pela repercussão de um seriado que abordou o lado sombrio da juventude imersa no mundo digital e o abismo entre pais e filhos.

Os entrevistados apontaram diversos desafios de saúde mental enfrentados pelos jovens na atualidade. Para 57%, o bullying e a violência escolar são os principais, definidos como agressões intencionais e repetitivas. A depressão e a ansiedade foram mencionadas por 48%, enquanto a pressão estética aparece como um desafio para 32%.

Pierre Lucena, presidente do Porto Digital, avaliou que a série "Adolescência", apresentada pela rede de streaming Netflix, colocou em evidência a urgência do debate sobre a questão. "O cuidado com a juventude deve ser um compromisso compartilhado, que envolve escolas, famílias, empresas e governos. Essa pesquisa evidencia que não basta discutir inovação tecnológica – é preciso humanizá-la e colocá-la a serviço da sociedade", disse. Ele acrescentou que "o futuro da inovação está diretamente ligado à forma como cuidamos dos nossos jovens. Não basta impulsionar avanços tecnológicos — é fundamental criar pontes entre a tecnologia e a transformação social real".

A pesquisa também investigou as ferramentas utilizadas pelos pais para lidar com o ambiente digital, destacando o controle do tempo de navegação. O estudo aponta que, para crianças de até 12 anos, o controle tende a ser mais rígido e constante, incluindo o uso de mecanismos de monitoramento. Contudo, apenas 20% dos pais indicaram a intenção de usar ferramentas de controle no futuro. Já para adolescentes de 13 a 17 anos, a supervisão diminui, com os pais acompanhando de forma mais flexível, permitindo maior autonomia.

Para Julio Calil, diretor-geral da Offerwise, o cenário evidenciado pela pesquisa ressalta a necessidade de criar espaços de acolhimento e orientação tanto para pais quanto para filhos, como alternativas de proteção no ambiente digital. "Os resultados da pesquisa nos mostram que a população enxerga a necessidade de um esforço conjunto para criar espaços mais seguros e de apoio nas escolas, especialmente diante do uso precoce e intenso das redes sociais", apontou.

Plataformas e Regulação

Recentemente, as principais plataformas digitais alteraram suas regras, em alguns casos, restringindo ou excluindo a moderação de conteúdos, o que pode dificultar a identificação de contas ou publicações consideradas criminosas. O professor adjunto de psicologia da Universidade Federal de Pernambuco, Luciano Meira, vê nessa decisão uma priorização de interesses comerciais e políticos dos proprietários das redes.

"Essa decisão diminui a responsabilidade social das big techs, das corporações, das organizações controladoras das plataformas. Isso tem um impacto direto na proliferação de ódio, desinformação, conteúdos prejudiciais em diversas camadas, especialmente, entre populações vulneráveis", avaliou Meira. Ele ressaltou que jovens ficam mais expostos a conteúdos inadequados sem essa moderação e que, em termos de desinformação, isso "ataca instituições e a própria democracia".

Paralelamente, o Supremo Tribunal Federal (STF) está julgando a constitucionalidade do Artigo 19 do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014), que prevê que provedores, websites e redes sociais só podem ser responsabilizados por conteúdo ofensivo postado por usuários após o descumprimento de uma ordem judicial para remoção.

Luciano Meira, que possui Ph.D. em educação matemática e mestrado em psicologia cognitiva, pontua que a ausência de uma decisão clara sobre o tema pode levar a uma potencial sobrecarga judicial. "Pode haver um aumento considerável de casos judiciais justamente pela falta dessas ações preventivas. Então, é possível preservar a liberdade de expressão com moderação responsável", disse, defendendo uma rediscussão do Artigo 19 para fortalecer a proteção social de diversas populações vulneráveis, incluindo jovens e idosos.

No Congresso Nacional, tramita o Projeto de Lei 2.630 de 2020, conhecido como PL das Fake News, principal proposta de regulação das plataformas digitais. O texto, já aprovado no Senado, está parado na Câmara dos Deputados. A proposta aborda a responsabilidade civil das plataformas e inclui elementos para prevenir a disseminação de conteúdos ilegais e prejudiciais.

"Regular essas plataformas é vital para que tenhamos a manutenção de um espaço social online, produtivo e saudável para todas as pessoas - principalmente jovens e crianças que têm menos mecanismos individuais de proteção", afirmou Meira. Ele criticou a defesa da desregulamentação total, considerando-a baseada em uma "ideia frágil e inconsistente do que é liberdade". "Uma liberdade restrita sem controle social destrói, degenera as bases da nossa capacidade de construir e de fazer evoluir uma civilização. Então, claramente, a autorregulação é insuficiente, especialmente em se tratando de empresas que buscam lucro", alertou.

Enquanto as decisões sobre a regulação não avançam, o professor considera fundamental a construção de um ambiente de confiança na escola, na família e em outros espaços onde crianças e jovens são acolhidos. Esse ambiente visa evitar que sejam submetidos a situações como disseminação de ódio e bullying.

"O principal é a construção da confiança entre as pessoas. Sem a construção desses laços, desse relacionamento baseado na confiança, qualquer dessas estratégias não terá os efeitos desejados", disse Meira. Ele orienta que pais e filhos estabeleçam e mantenham um diálogo aberto e confiante sobre os riscos online e as relações nas redes sociais.

Outro ponto defendido é o estabelecimento de limites claros para o uso da internet e redes sociais, como tempo e tipos de interação. Meira enfatiza que isso só será eficaz com diálogo, permitindo que crianças e adolescentes desenvolvam senso crítico para identificar conteúdos inadequados. No entanto, reconhece que, por sua faixa etária, eles ainda não conseguem capturar todos os riscos, necessitando do apoio adulto para identificar cyberbullying, exposição excessiva ou contato com estranhos.

Luciano Meira observou que pais e responsáveis tendem a simplesmente restringir ou proibir o uso de redes sociais sem um diálogo consistente sobre o motivo. Ele sugere um monitoramento mais participativo, onde os pais buscam conhecer o ambiente online dos filhos, podendo inclusive usar softwares para auxiliar nesse acompanhamento.

Por fim, o professor defende que o mundo real não deve ser deixado de lado, citando como exemplo a proibição do uso de celulares nas escolas. "As escolas têm visto alguma movimentação em torno das crianças voltarem a construir relações no mundo físico. Ao proibir o uso de dispositivos nas escolas, convidam as crianças para uma existência que é também offline", disse. Ele conclui que um equilíbrio entre os mundos online e offline é necessário para a construção de relacionamentos sociais duradouros, baseados na confiança e não apenas em algoritmos.