Amizade entre Mujica e Lula teve visita em prisão, carona em Fusca e tom fraterno

Publicado em 13/05/2025 às 22:05:14
Amizade entre Mujica e Lula teve visita em prisão, carona em Fusca e tom fraterno

José "Pepe" Mujica, falecido nesta terça-feira (13) aos 89 anos, e Luiz Inácio Lula da Silva cultivaram uma relação que transcendeu as afinidades ideológicas. A amizade entre o ex-presidente uruguaio e o petista brasileiro foi marcada por encontros frequentes, um gesto de apoio notável com a visita de Mujica a Lula durante sua prisão e uma série de manifestações públicas de afeto e respeito mútuo.

O primeiro contato entre os dois ocorreu em 2005. Lula, então presidente do Brasil, conheceu Mujica, que era senador, na cerimônia de posse de Tabaré Vázquez, o primeiro presidente de esquerda do Uruguai após o retorno à democracia. Lula, impressionado pelo discurso que considerou forte e combativo, buscou aproximar-se do político uruguaio.

A relação se consolidou a partir de 2010, período em que ambos chefiavam os Executivos de seus respectivos países – Lula em seu último ano de segundo mandato e Mujica no primeiro ano de sua presidência. A tônica dessa colaboração bilateral foi a promoção da cooperação internacional e a integração da América Latina. Assinaram diversos acordos em setores como agricultura, defesa, ciência e tecnologia, energia e transportes.

Embora a boa relação política tenha se estendido ao governo de Dilma Rousseff, a amizade e o vínculo pessoal mais estreito com Mujica se mantiveram com Lula. O líder brasileiro expressava grande admiração pela trajetória de vida do uruguaio, que passou 13 anos preso e sofreu tortura durante a ditadura militar em seu país.

Um dos momentos mais emblemáticos dessa amizade ocorreu em 2018, quando Mujica visitou Lula na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba. Na época, Lula estava preso em decorrência da condenação no caso do tríplex no Guarujá, no âmbito da Operação Lava Jato. Após o encontro, Mujica relatou a jornalistas que a conversa girou em torno das preocupações com a América Latina e, descontraidamente, sobre futebol.

Com a soltura de Lula em novembro de 2019, os encontros foram retomados. Em fevereiro de 2020, eles se reencontraram na celebração dos 40 anos do PT, no Rio de Janeiro, onde discutiram o governo de Jair Bolsonaro e a importância da participação dos jovens na política. Mujica também esteve ao lado de Lula nos dias decisivos da campanha eleitoral de 2022 e no momento da apuração dos votos. À BBC News Brasil, após a confirmação da vitória petista, Mujica comentou sobre as mudanças nos tempos e desafios, descreveu Lula como "um verdadeiro social-democrata" e previu que as críticas ao novo governo viriam tanto da direita quanto da esquerda.

Em 2023, voltaram a se encontrar e abordaram temas como possíveis reformas no Mercosul, a necessidade de proteger as organizações internacionais de vieses ideológicos (sejam de direita ou esquerda) e a criação de uma moeda comum para facilitar transações financeiras entre Brasil e Argentina. Desse encontro na chácara de Mujica, sob uma tenda montada do lado de fora, com cadeiras de plástico – um reflexo da notória aversão do uruguaio a formalidades –, surgiu a imagem viral de Lula pegando carona no icônico Fusca azul de Mujica.

Em uma rara divergência pública relacionada à amizade, um livro-reportagem sobre os cinco anos da presidência de Mujica, intitulado "Una Oveja Negra al Poder", trouxe o relato de uma suposta confissão de Lula a Mujica em 2010. A obra afirmava que o brasileiro teria dito, referindo-se ao escândalo do mensalão, que aquela era a única maneira de governar o Brasil. Lula sempre negou qualquer conhecimento prévio sobre o esquema. Questionado sobre a frase atribuída a Lula, Mujica negou ter tido essa conversa com o petista e refutou ser o autor do livro. O Instituto Lula também divulgou nota reiterando que tal diálogo jamais ocorreu.

No ano passado, Lula concedeu a Mujica a Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul, a mais alta honraria brasileira, durante uma viagem a Montevidéu para participar da cúpula de chefes de Estado do Mercosul. Mesmo com a agenda oficial intensa, que incluía a finalização do acordo entre o bloco e a União Europeia após quase 25 anos, Lula fez questão de encontrar Mujica previamente em sua residência para a entrega da medalha. Segundo Lucía Topolansky, esposa de Mujica, ex-vice-presidente e ex-senadora, o uruguaio ficou feliz com a condecoração, mas "o que mais apreciou foi a visita" em si.

Visivelmente emocionado no encontro, Lula declarou sobre a amizade: "Eu digo sempre que a gente não escolhe irmão. A gente não escolhe nem sequer mãe. Agora, um companheiro a gente escolhe. E eu posso dizer que de todos os presidentes que eu conheci, que eu tive amizade e com que convivi muitos anos, Pepe Mujica é a pessoa mais extraordinária que eu conheci". Lula chorou ao fazer a declaração.

Além das ocasiões diretamente ligadas a Lula, Mujica teve outras participações marcantes no Brasil. Em 2015, ele proferiu palestras em um seminário promovido pela Federasur (Federação de Câmaras de Comércio e Indústria da América do Sul) e foi ovacionado por estudantes em um encontro lotado na Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro). No ano seguinte, retornou ao país para receber a medalha da Inconfidência, a principal honraria concedida pelo estado de Minas Gerais. Em discurso proferido em meio à crise política brasileira que culminaria no impeachment de Dilma Rousseff, Mujica defendeu o respeito ao voto popular, afirmando que "a única fonte real de legitimidade na democracia é o voto".