Feira de Santana: Vazar nomes de pessoas com HIV em suspensão de Passe Livre é grave violação de dados, diz especialista

A Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana (Semob) de Feira de Santana publicou no Diário Oficial a suspensão do benefício de Passe Livre para pessoas vivendo com HIV/AIDS. Contudo, a medida gerou grande repercussão na sociedade pela exposição indevida e sigilosa dos dados de mais de 600 cidadãos locais. A divulgação de uma lista com os nomes completos e números de cartão dos beneficiários feriu a privacidade dos munícipes.
Cristina Rios, pesquisadora e advogada especialista em proteção de dados e governança digital, classificou o episódio como "um dos mais graves casos de violação de dados sensíveis no poder público". Em entrevista ao BN, a especialista expressou "extrema perplexidade", definindo a situação como uma "violação de direitos fundamentais, da dignidade das pessoas, da privacidade e da proteção de dados". Rios alertou que a exposição pública coloca os cidadãos em "situação de hipervulnerabilidade, sujeitos ao preconceito, à exclusão social e até a risco de violência".
De acordo com a advogada, informações de saúde são consideradas dados de altíssima sensibilidade pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). "Publicar nomes de pacientes, especialmente em um contexto de HIV, não se trata apenas de uma falha administrativa. É uma violação gravíssima", enfatizou.
Rios detalhou as providências que o poder público deveria ter tomado e que ainda são necessárias: remoção imediata da lista, comunicação à Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), informação clara aos afetados, prestação de apoio jurídico e psicológico, e revisão de protocolos internos. Ela também orientou os cidadãos afetados a registrar denúncia na ANPD, procurar o Ministério Público ou a Defensoria Pública, e ingressar com ação judicial para pleitear indenização.
A especialista ressaltou a importância de os gestores públicos compreenderem que a LGPD "não é uma letra morta", mas uma lei viva que exige aplicação, especialmente quando o próprio Estado detém dados tão sensíveis. A divulgação indevida, segundo Rios, "abala a confiança nas políticas sociais e compromete a dignidade das pessoas". A argumentação de "dever de transparência" não justifica a publicação, pois o tratamento de dados sensíveis requer base legal específica, que não existia neste caso, e o dever de proteção se sobressai diante do risco de danos graves.
Uma das vítimas da divulgação, que pediu para não ter o nome revelado, expressou sentir-se desrespeitada e desamparada. "A gente já luta diariamente para poder vencer o estigma, o preconceito, a falta de informação que as pessoas têm. É uma violência que consumiu meu domingo. Algumas pessoas jamais terão reparação. Algumas nem revelaram o diagnóstico para a família e agora podem ser identificadas. Para mim, é uma questão de reparação moral", desabafou.
**Resposta da Prefeitura**
Em nota, a Secretaria de Mobilidade Urbana (Semob) de Feira de Santana alegou "falha de sistema" e lamentou o ocorrido, informando a remoção imediata da lista do Diário Oficial. O secretário Sérgio Carneiro pediu desculpas publicamente, explicando que a publicação foi um ato de "boa-fé" para alertar os beneficiários sobre a suspensão e permitir que se defendessem, mas que os nomes não deveriam ter sido divulgados. Ele assumiu o erro e pediu desculpas pelo constrangimento e violação de privacidade.
A portaria de suspensão do Passe Livre, assinada pelo secretário, cumpre decisão judicial que revogou tutela provisória de urgência. Os beneficiários têm cinco dias úteis para devolver os cartões e podem apresentar defesa escrita. Os anexos publicados na edição do Diário Oficial continham os nomes e números de cartão de cerca de 600 e mais 15 beneficiários, totalizando aproximadamente 245 cidadãos identificados publicamente.