Novas regras para EAD são 1º passo, mas pouco para melhorar qualidade, dizem especialistas

Publicado em 20/05/2025 às 01:05:14
Novas regras para EAD são 1º passo, mas pouco para melhorar qualidade, dizem especialistas

O governo federal publicou novas diretrizes para a Educação a Distância (EAD) no ensino superior, movimento classificado por especialistas e entidades do setor como um passo inicial importante, porém ainda insuficiente para assegurar a melhora na qualidade das graduações ofertadas no país. O decreto foi assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva na última segunda-feira (19), após sucessivos adiamentos desde dezembro, período em que as regras eram aguardadas.

O Ministério da Educação (MEC) justificou a alteração buscando elevar a qualidade dos cursos, uma preocupação manifestada pelo ministro Camilo Santana desde 2023, especialmente em relação às licenciaturas.

Com o decreto, cursos de formação de professores para a educação básica (licenciaturas) não poderão mais ser oferecidos integralmente a distância. Agora, deverão seguir, no mínimo, o formato semipresencial. Este modelo prevê que metade da carga horária possa ser ministrada remotamente, enquanto a outra metade será distribuída entre atividades presenciais obrigatórias (30%) e aulas online em tempo real (20%).

Apesar da mudança, a avaliação é de cautela. Carlota Boto, diretora da Faculdade de Educação da USP, considera a medida "importante, mas ainda insuficiente". Para ela, destinar apenas 30% do curso a atividades presenciais é pouco para formar um professor adequadamente, embora represente uma melhoria frente ao cenário anterior. A professora destaca que a falta de interação presencial com docentes e colegas no modelo a distância prejudica a formação essencial para atuar na educação básica. "O docente possui um impacto muito grande na vida dos alunos e isso só ocorre com a interação, quando há uma relação, uma dinâmica que seja ao mesmo tempo, reflexiva, crítica e criativa", afirma.

Márcia Jacomini, professora da Unifesp, corrobora que as mudanças são bem-vindas, mas ressalta a necessidade de regulamentação detalhada para que impactem efetivamente a qualidade. Ela aponta a importância de orientações claras sobre o tipo de atividade a ser realizada presencialmente. Jacomini sugere que essas aulas se concentrem em conteúdos práticos e relacionados à dinâmica escolar, alertando para o risco de instituições contabilizarem o estágio obrigatório dentro da carga horária presencial, o que esvaziaria o efeito da norma.

Além das licenciaturas, cursos de áreas da saúde como medicina, direito, odontologia, enfermagem e psicologia tiveram a oferta em EAD vetada, podendo ser ofertados apenas nos formatos presencial ou semipresencial.

As entidades representativas do setor privado reagiram. A Abmes (Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior) viu a publicação do decreto como positiva, entendendo que "restabelece o calendário regulatório e confere segurança jurídica" às instituições. Contudo, a associação informou que realizará análise técnica detalhada para avaliar se serão necessárias medidas para defender os interesses das faculdades particulares, incluindo ações legais, caso identifique inconstitucionalidades ou dispositivos que ameacem a sustentabilidade, a livre iniciativa e a qualidade da oferta. O Semesp (Sindicato das Entidades Mantenedoras de Ensino Superior) também anunciou análise aprofundada e a possibilidade de sugerir ajustes.

Francisco Borges, consultor de gestão da FAT (Fundação de Apoio à Tecnologia), projeta que as novas regras podem encarecer os cursos semipresenciais e EAD devido à exigência da presença de um mediador pedagógico em ambos os modelos. As novas diretrizes estabelecem limite máximo de 70 estudantes por docente ou mediador pedagógico em atividades a distância síncronas (em tempo real). Borges questiona a efetividade dessa limitação em um contexto onde o suporte pode ser automatizado por inteligência artificial.

O consultor contextualiza a EAD como um fator de democratização do acesso ao ensino superior, historicamente uma alternativa inviável para muitos. Ele lembra dados que apontam para a redução do quadro docente em instituições privadas, com algumas chegando a ter mais de mil alunos EAD para cada professor, apesar da explosão de matrículas.

João Vianney, sócio da Hoper Educação, em artigo para a Folha de S.Paulo, também defende a relevância da EAD para garantir acesso, especialmente a comunidades remotas como indígenas, quilombolas e ribeirinhas, e a alunos de cidades pequenas. Ele argumenta que o MEC partiu de premissas equivocadas ao justificar a reformulação das regras, como a ideia de que alunos EAD adultos devem seguir modelos de aprendizagem interacionistas que limitam o número de estudantes em atividades síncronas. Vianney considera que essa lógica, aplicável talvez ao ensino fundamental, não se alinha a teorias de aprendizagem para adultos e contradiz a tendência global de atendimento personalizado, gerando custos e retirando flexibilidade sem necessariamente agregar qualidade.