O dia em que a Bahia conheceu o futebol: Internacional de Cricket, o esquecido primeiro campeão estadual

A história do futebol baiano teve seu pontapé inicial em 9 de abril de 1905, no Campo da Pólvora, em Salvador. O embate inaugural colocou frente a frente o recém-fundado Sport Club Victória, rubro-negro criado por jovens locais, e o "aristocrático" Club Internacional de Cricket, fundado por ingleses e ostentando as cores amarelo e preto. O placar de 3 a 1 a favor do Inter marcou não apenas a vitória de uma equipe sobre a outra, mas o início de uma nova era esportiva no estado, culminando com a coroação do primeiro campeão baiano.
O torneio de 1905 foi organizado pela Liga Bahiana de Sports Terrestres, uma entidade que, em sua essência, refletia o racismo institucional da época. A participação de negros como jogadores ou dirigentes era proibida; sua presença era limitada a recolher a bola quando saía de campo. Nesse contexto, o futebol na Bahia era um reflexo da elite branca e europeia que detinha o poder na capital.
O Campeonato Baiano de 1905 ostenta o posto de segundo estadual mais antigo do Brasil, superado apenas pelo Paulista de 1902, e é o mais antigo da região Nordeste. A organização coube à Liga Bahiana de Sports Terrestres (LBST), antecessora da atual Federação Bahiana de Futebol (FBF). A competição seguiu um formato simples, com quatro clubes — Internacional de Cricket, São Salvador, Sport Club Bahiano e Victória — enfrentando-se em turno e returno, em um sistema de pontos corridos.
O Internacional de Cricket, até então focado no cricket, provou sua versatilidade nos gramados. Em seis partidas disputadas, a equipe obteve seis vitórias, conquistando o título de forma invicta, com 12 pontos e sofrendo apenas três gols. A agremiação era presidida pelo inglês Frank Gordon May.
Os resultados do Internacional de Cricket no campeonato foram:
* 09/04 – Internacional 3 x 1 Victoria
* 16/04 – Internacional 2 x 0 São Salvador
* 11/06 – Internacional 3 x 1 Bahiano
* 23/07 – Internacional 3 x 0 Bahiano
* 27/08 – Internacional 2 x 1 São Salvador
* 10/09 – Internacional 1 x 0 Victoria
A classificação final foi:
* 1º: Internacional (12 pontos)
* 2º: São Salvador (8 pontos)
* 3º: Victoria (4 pontos)
* 4º: Bahiano (0 pontos)
A equipe aurinegra era formada por S. Orr; E. E. Scharp e C. North; D. S. McNair, A. E. Gleig e R. J. McNair; V. Vero, J. Cower, A. Hayne, P. Stewart e J. McNair. Stewart se destacou com três gols no campeonato, seguido por Hayne, com dois.
Na última rodada, mesmo já campeão, o Internacional venceu o Victoria por 1 a 0, consolidando sua campanha impecável e tornando-se o primeiro campeão baiano da história.
Paulo Leandro, pesquisador de cultura e sociedade do esporte, explicou o contexto histórico e social por trás da formação do Internacional e do próprio Vitória. Segundo ele, o Internacional era composto por ingleses residentes na Bahia que, no final do século XIX, detinham forte influência em diversos setores da sociedade, como construção de ferrovias e iluminação pública. Eles introduziram o cricket, esporte da elite britânica, e criaram um clube fechado, o que motivou os jovens baianos a fundarem o Vitória como um ato de afirmação, expressando o desejo de também participar.
Leandro ressalta que, inicialmente, o futebol era mais um evento social do que uma disputa esportiva, com o placar sendo secundário. O que importava era a presença da alta sociedade, as carruagens estacionadas e a distinção social do evento. A bola, muitas vezes, era improvisada com materiais como bexiga de boi e crina de cavalo pelos jovens das periferias.
O pesquisador enfatiza que o Internacional representava a hegemonia inglesa na Bahia, com recursos, estrutura e o simbolismo de representar o poderoso Império Britânico. A vitória expressiva no primeiro campeonato, portanto, não foi surpreendente, mas o futebol, em sua natureza dinâmica, logo alterou esse cenário.
Apesar do título invicto, a trajetória do Internacional com o futebol foi breve. Em 1906, após participar de três jogos do campeonato, o clube se retirou e logo desapareceu, sem deixar vestígios físicos como sede ou monumentos. Sua memória, contudo, é preservada por entusiastas como Paulo Leandro, que chegou a recriar a camisa retrô do time e miniaturizá-lo em formato de time de botão.
Leandro descreve esses times como "campeões esquecidos" e dedica-se a preservar suas histórias, considerando-os fundadores do futebol baiano. Ele reitera a validade do título do Internacional, mesmo com o clube não existindo mais, e conclui que, embora os ingleses quisessem jogar sozinhos, a Bahia expressou seu desejo de participar, dando assim origem ao futebol local.





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