TJ-BA bloqueia mais de 60 matrículas nas comarcas de São Desidério e Barreiras para reparar danos de grilagem

A Corregedoria das Comarcas do Interior do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) determinou o bloqueio de dezenas de propriedades rurais e urbanas localizadas nos municípios de São Desidério e Barreiras. A decisão, proferida nesta terça-feira (17) pela Desembargadora Pilar Célia Tobio de Claro, aponta para possíveis falhas graves nos registros das terras que teriam facilitado crimes como grilagem e lavagem de dinheiro na região.
O caso veio à tona após a instauração de uma correição extraordinária para investigar matrículas imobiliárias irregulares, concentrando-se inicialmente no Cartório de Registro de Imóveis (CRI) de São Desidério. A apuração revelou uma série de inconsistências, incluindo uma matrícula aberta em 1997 para um imóvel rural de 18.500 hectares que, surpreendentemente, tinha como suposta origem uma "matrícula mãe" em Barreiras referente a um lote urbano de apenas 360 m². Essa vasta discrepância foi um dos primeiros indícios de fraude. A investigação também identificou o extravio de uma matrícula importante do cartório, segundo relato da registradora que assumiu a serventia em 2017.
Conforme detalhado no processo administrativo, a soma das áreas de matrículas desmembradas a partir de um registro original superou em mais de 44.207 hectares o valor da área inicial, uma incompatibilidade flagrante. A análise registral revelou ainda a duplicidade de matrículas, com diferentes propriedades possuindo o mesmo número de registro, gerando sérios conflitos de titularidade. Muitas matrículas foram abertas sem descrições claras dos imóveis, sem cálculo da área remanescente após desmembramentos e sem o encerramento adequado das matrículas originais, violando normas fundamentais do sistema registral.
As matrículas específicas de São Desidério, conforme aponta o documento, também apresentaram irregularidades significativas. Duas delas foram abertas tendo como base certidões de herança datadas de 1954, mas as matrículas anteriores careciam de informações precisas sobre área ou localização. A transcrição original de Barreiras, que deu origem a esses registros, estava deteriorada, mas indicava descrever um imóvel com limites vagos, sem precisão geográfica. Apesar dessa falta de clareza na origem, as matrículas subsequentes em São Desidério foram abertas com áreas superiores a 30.000 hectares cada, sem qualquer justificativa técnica ou legal que pudesse embasar tais dimensões.
O Ministério Público, acionado para acompanhar o caso, constatou a ausência de documentos cruciais, como as fichas das matrículas de Barreiras, que estariam extraviadas há anos. O promotor André Luis Silva Fetal destacou uma prática recorrente de "espelhamento" entre os cartórios de Barreiras e São Desidério, onde informações eram copiadas integralmente, mesmo quando evidentes as inconsistências. Segundo Fetal, essa prática contribuiu diretamente para a proliferação de matrículas irregulares na região.
Diante do quadro de irregularidades, a Corregedoria decidiu pelo bloqueio de 67 matrículas nos municípios de São Desidério e Barreiras. A medida cautelar abrange as matrículas diretamente investigadas e aquelas a elas vinculadas. O objetivo do bloqueio, segundo a decisão, é prevenir danos irreparáveis a terceiros de boa-fé. Os atuais proprietários das matrículas atingidas serão formalmente notificados para que, caso desejem, busquem a regularização judicial de seus direitos.