Trump pressiona presidente da África do Sul com vídeo de falso 'genocídio branco'

Durante uma reunião bilateral na Casa Branca nesta quarta-feira (21), o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, abordou seu homólogo sul-africano, Cyril Ramaphosa, com alegações infundadas sobre um suposto "genocídio branco" em curso na África do Sul.
Ramaphosa rechaçou enfaticamente a acusação de Trump de que seu governo estaria sendo permissivo com assassinatos de agricultores brancos em áreas rurais do país. Ele afirmou que a violência na África do Sul afeta majoritariamente a população negra. "Se houvesse genocídio contra os africâneres na África do Sul, lhe garanto que esses senhores não estariam comigo aqui hoje", declarou Ramaphosa, apontando para os membros brancos da delegação sul-africana que o acompanhavam. Ele acrescentou que nem mesmo seu ministro da Agricultura, o político africâner John Steenhuisen – cujo partido integra a coalizão governista desde as eleições de 2024 –, estaria presente.
Em resposta, Trump alegou ter visto "milhares de histórias" sobre o suposto genocídio, mencionando "documentários" e "notícias". O presidente americano exibiu um vídeo que continha falas de políticos negros sul-africanos supostamente incitando violência contra brancos e imagens do que seriam túmulos de agricultores africâneres mortos. Ramaphosa demonstrou desinteresse pelas imagens, evitando olhar para a tela na maior parte do tempo.
Ao fim da exibição, Ramaphosa esclareceu a Trump que as falas apresentadas no vídeo não representam a política do governo sul-africano. "Temos uma democracia multipartidária na África do Sul. Nosso governo é completamente contrário ao que esse partido minoritário diz", reforçou. Steenhuisen corroborou a posição, afirmando que apoia o governo de Ramaphosa para impedir que "pessoas como esta" cheguem ao poder.
Ramaphosa tentou redirecionar a conversa para temas como comércio e cooperação econômica, indicando estar disposto a discutir as preocupações de Trump, mas não obteve sucesso. O presidente americano interrompeu a tentativa, repetindo que agricultores brancos estariam fugindo do país. A reunião foi concluída com Ramaphosa expressando a esperança de que os EUA possam desempenhar um "papel de liderança" na cúpula do G20, que ocorrerá em Joanesburgo neste ano.
Por trás das alegações de Trump, está a aprovação de uma nova legislação sul-africana. As tensões se intensificaram após o governo Ramaphosa sancionar, em janeiro, uma lei que prevê a desapropriação de terras como forma de reduzir desigualdades históricas. Trump classificou a medida como racista, argumentando que ela visaria proprietários brancos. Elon Musk, figura próxima de Trump e de origem sul-africana, tem amplificado as alegações falsas sobre o "genocídio branco" em suas redes sociais.
O governo sul-africano explica que a lei sancionada visa corrigir a distribuição desigual de terras, atualizando um texto de 1975 e reconhecendo a desapropriação como ato legítimo para dar funções públicas aos terrenos. Um ponto de controvérsia é a possibilidade de desapropriação sem compensação, mas o governo afirma que isso ocorreria apenas em casos excepcionais, sem acordo com o proprietário, e quando avaliado como necessário, como no caso de terras abandonadas ou usadas para especulação. Pretória acusa a legislação de estar sendo distorcida para gerar pânico e nega que desapropriações sem compensação tenham ocorrido até o momento.
As relações entre os dois países foram abaladas por outras questões recentes. Em fevereiro, os EUA reduziram parte do financiamento destinado à África do Sul. Na semana anterior à reunião, Washington concedeu status de refugiado a 59 sul-africanos brancos, justificando a decisão por suposta perseguição racial – alegação veementemente negada pelo governo sul-africano. Outro ponto de atrito é a denúncia apresentada por Pretória na Corte Internacional de Justiça, no ano passado, acusando Israel – principal aliado de Washington no Oriente Médio – de cometer genocídio na Faixa de Gaza.