12 milhões de brasileiros usam lenha para cozinhar apesar dos riscos à saúde

Uma pesquisa recente revela o alto custo social, ambiental e para a saúde associado ao uso da lenha para cozinhar no Brasil. Segundo o estudo, essa prática não apenas polui o meio ambiente e é prejudicial à saúde, mas também contribui para afastar mulheres do mercado de trabalho e crianças da escola.
A pesquisa, realizada pela Plataforma de Transição Justa com curadoria da Agenda Pública, mapeou a pobreza energética no país a partir de entrevistas com especialistas e pessoas afetadas, utilizando dados de 2022 e 2023. Os resultados mostram que, embora a grande maioria dos lares brasileiros tenha acesso a gás (de botijão ou encanado) ou eletricidade, 17% ainda recorrem à lenha ou carvão para preparar refeições, muitas vezes em combinação com outras fontes. Isso representa 12,7 milhões de brasileiros em situação de pobreza energética, caracterizada pelo acesso inadequado a fontes de energia.
A realidade de Patrícia Soares, 53 anos, moradora de Pedra Azul, em Minas Gerais, ilustra o drama. Mãe de nove filhos e viúva, ela e seus filhos dedicam parte do sábado à coleta de lenha em áreas de mata para economizar no gás, que é usado para comprar remédios, alimentos e pagar contas de luz. O uso do fogão a lenha, que prolonga a duração do botijão em meses, gera um calor insuportável, causando desconforto e tontura.
O estudo aponta que o uso da lenha na cocção é mais comum nas regiões Norte (30% dos lares), Sul (28%) e Nordeste (24%), enquanto no Sudeste atinge 8% das residências, incluindo áreas urbanas onde são usados gravetos e restos.
Sergio Andrade, diretor-executivo da Agenda Pública e coordenador da pesquisa, ressalta que a falta de acesso ao gás tem "rosto feminino", pois são as mulheres que mais sofrem os impactos, gastando cerca de 18 horas semanais na coleta da lenha e enfrentando problemas de saúde decorrentes da inalação da fumaça, como dores na coluna e doenças respiratórias.
A fumaça liberada pela queima da lenha contém gases e partículas tóxicas (como monóxido de carbono, dióxido de nitrogênio e formaldeído) que causam inflamação das vias respiratórias, prejudicam o sistema imunológico e diminuem a capacidade do sangue de transportar oxigênio. A Organização Mundial da Saúde estimou que a poluição doméstica relacionada ao cozimento causou 3,2 milhões de mortes globalmente em 2020. Carlos Ragazzo, professor da Fundação Getulio Vargas, aponta que o problema é pouco conhecido, existindo uma carência de informação e um forte hábito em comunidades de baixa renda sobre os riscos à saúde.
Diante desse quadro, políticas de subsídio ao gás se mostram cruciais. O programa Gás para Todos (antigo Auxílio Gás) já atende 5,4 milhões de famílias, e o governo federal planeja expandi-lo para 20 milhões, com um custo estimado de R$ 5 bilhões, através da criação de um voucher específico. Professor Ragazzo sugere que o benefício seja atrelado à compra do botijão, modelo adotado em países como Peru, Colômbia e Índia.
Além do apoio financeiro, campanhas de conscientização são essenciais para educar a população sobre os malefícios da lenha e incentivar a transição para outras fontes de energia, idealmente com a participação de lideranças comunitárias.
A substituição da lenha por eletricidade, por exemplo, poderia gerar economias significativas de tempo (34 minutos diários) e financeiras (até US$ 62 anuais por família), conforme cálculos da Plataforma Transição Justa. Em um cenário de discussão sobre transição energética, especialmente com a COP30 se aproximando no Brasil, Sergio Andrade conclui que são necessários programas sociais mais focados para enfrentar essa pobreza "multidimensional".